Sermão


Amargura

Há alguns dias, reclamava para Deus de algumas coisas na minha vida que me chateavam bastante. No meio da reclamação, interrompi para pensar se todo aquele momento não era resultado de uma enorme ingratidão que se passava na minha vida. Ora, se fosse pesar na balança as coisas boas e as ruins, as boas ganhariam de longe. E mesmo assim eu insistia em reclamar. Será por que a nossa vida é assim? Custo entender porque existem coisas tão minúsculas que são capazes de estragar grandes coisas boas. E o pior é que dificilmente encontramos o contrário, ou seja, pequenas coisas boas capazes de adocicar o mar de problemas que atravessamos. Por que na maioria das vezes é mais fácil derrubar que construir? Por que destruir é mais fácil que criar? Parece que tudo é mais propenso à destruição.

Vi outro dia na televisão um comentário sobre o Benzoato de Denatônio, ou o Bitrex, como é conhecido. Essa substância química é o composto mais amargo já conhecido. Diluições tão mínimas, como 10 ppm, são insuportáveis ao ser humano. Ou seja, se pegarmos um tanque com 100 litros de água pura e cristalina, e pingarmos uma gota desta substância no tanque, toda a água límpida passa a ser imprestável para o consumo. Há situações em nossas vidas, que têm às vezes o mesmo poder do Bitrex. Um pequeno problema é capaz de contaminar uma imensa quantidade de coisas boas e felizes que estão sendo vividas. Põe tudo a perder.

Enquanto pensava sobre o Bitrex, lembrei-me de quando o povo de Israel andava pelo deserto. Conta no livro de Êxodo que o povo caminhou no deserto durante três dias sem encontrar água, até que eles chegaram a um lugar chamado Mara (que significa 'amargo'). Lá tinha água, porém era amarga e imprestável para beber. Começou-se a murmuração e os constantes lamentos perguntando a Moisés o que eles beberiam.

Bem, olhar hoje para a história deles é fácil. Até nos perguntamos se aquele povo não tinha memória. Porque não é possível que alguém que havia contemplado os milagres das dez pragas e atravessado um mar a pés enxutos pudesse ter a audácia de não confiar em Deus. Penso nisso e às vezes me irrito com as reclamações dos israelitas no deserto. Mas infelizmente minha vida é bem parecida com a deles. Enquanto está tudo certo, na mais perfeita ordem, eu faço salmos de gratidão, lembrando-me de todas as conspirações de Deus em meu favor. Mas quando vem a sede, e a única água que encontro é amarga, toda a minha memória sucumbe, evapora. Reclamo sem me lembrar de nada de bom que acontece paralelamente na minha vida. E tentar imaginar que tudo o que está acontecendo se tornará bom algum dia, passa a ser uma tarefa impossível para a minha alma. Só consigo sentir o sabor amargo, nada mais.

Nestes dias eu venho sentido o gosto amargo de algumas (pequenas) coisas na minha vida. Confesso que essas pequenas coisas ruins são suficientes para amargar muitas outras boas. Tenho entendido também que fingir para Deus que não há nada de errado conosco, nem passa perto do que Ele ensina sobre fé. E tenho também pensado mais do que nunca nestas palavras de Jesus: "Peçam, e lhes será dado; busquem, e encontrarão; batam, e a porta lhes será aberta. Pois todo o que pede, recebe; o que busca, encontra; e àquele que bate, a porta será aberta. "Qual de vocês, se seu filho pedir pão, lhe dará uma pedra? Ou se pedir peixe, lhe dará uma cobra? Se vocês, apesar de serem maus, sabem dar boas coisas aos seus filhos, quanto mais o Pai de vocês, que está nos céus, dará coisas boas aos que lhe pedirem!

Ou seja: Ele se importa com o que vivemos; se preocupa conosco e está atento à nossa súplica. Ele é o melhor Pai.

Noto que Deus não tem a intenção de nos tornar Super-Homens, mas apenas Homens adultos, à imagem de seu Filho. E que chorar porque a vida tem se amargado, não é necessariamente uma prova de falta de fé, mas sim, uma forma de pedir e dizer a Deus que necessitamos de seu alívio.

Em Hebreus, o autor diz que a fé é o único elemento essencial para agradar a Deus. E às vezes, nas minhas orações, proponho a Deus algumas soluções que vejo como alternativas para o amargor que tenho experimentado ultimamente. Será que temos que acreditar sempre naquilo que pedimos? Penso que não. Muitas vezes, a fé que talvez mais agrade a Deus é aquela que sabe que não importa o que acontecer, Deus fará o melhor. E esse melhor não significa "do males o menor", mas sim o MELHOR mesmo!

Ontem me alegrei um bocado quando li no Salmo 25 a seguinte frase: "Nenhum dos que esperam em Ti, ficará decepcionado". Lembrei que o Senhor não nos disse apenas para sermos fortes; mas também para pedirmos socorro quando as águas ficarem amargas.

Lá no deserto, Deus providenciou o socorro para os israelitas. Fez um milagre e transformou a água amarga em água pura. Hoje, não será nem um pouco diferente quando pedirmos; pois não temos um Intercessor que não possa se compadecer das nossas fraquezas, mas sim alguém que, como nós, passou por todo tipo de tentação e amargura nessa vida, porém, permaneceu íntegro, pois era perfeito. Assim, como diz o autor de Hebreus, aproximemo-nos do trono da graça com toda a confiança, a fim de recebermos misericórdia e encontrarmos graça que nos ajude no momento da necessidade. Porque é isso que Ele mais quer: que nos aproximemos Dele.

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